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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O quê? Vocês vão me demitir por ser a única operador dos sistemas da empresa? - Side Story

Side Story – O Engenheiro de Excelência

— O quê? Aquelas duas também pediram demissão!?

A voz do novo presidente ecoou em choque, assim que recebeu a notícia de sua secretária.

— Mil desculpas, senhor!

— Não, não precisa se desculpar. Fui eu quem me excedi.

Ele respirou fundo.

Esforçando-se para manter a calma, começou a analisar a situação com um tom racional.

— Aquele sistema é, digamos, o coração desta empresa. Se minha memória não falha, ele permite que cerca de oitenta por cento das operações sigam funcionando sem supervisão humana. O problema está nos vinte por cento restantes. Há algo a corrigir nisso?

— Não, o senhor está absolutamente certo.

O novo presidente prosseguiu, metódico:

— E se deixarmos a situação como está?

— …No pior dos casos, poderemos entrar no vermelho.

— Entendo…

O presidente refletiu.

Apresentar um déficit logo no primeiro balanço de sua gestão seria péssimo para a imagem perante os acionistas. Poderia alegar que o prejuízo fora um “impacto temporário devido à reestruturação”, mas sabia que essa desculpa soaria gasta diante do conselho. Durante as reformas, todos foram bajuladores e solícitos mas, diante de um resultado negativo, poucos continuariam assim.

Em outras palavras: sem resolver a raiz do problema, não haveria futuro.

— Nenhum funcionário de outro setor pode ser realocado?

— Infelizmente, não. Teríamos de recorrer a uma empresa terceirizada.

— Faça isso, então.

— Com todo o respeito, senhor, acabamos de romper contrato com as terceirizadas. Será difícil conseguir outra de imediato.

— Quanto tempo levaria?

— Pelo menos um mês.

Ridículo.

Ele conteve a irritação, mordendo os lábios.

— Obrigue os quatro a comparecer ao escritório. Não é admissível tirar férias remuneradas enquanto o sistema está parado. Eles ainda têm um mês até o desligamento. Nesse tempo, daremos um jeito.

— Entendido, providenciarei imediatamente!

— Ótimo. Conto com você.

A secretária apressou-se em sair, mas o presidente a deteve.

— Espere.

— Sim?

Ele inspirou fundo antes de falar:

— Eu admito. Estava errado.

— Senhor…?

Com expressão amarga, ele prosseguiu:

— Traga de volta Sato Ai. Use os meios que forem necessários.

— Entendido. Com licença.

Assim que a secretária deixou a sala, o novo presidente permaneceu sozinho.

Aguardou alguns segundos, certificando-se de que ninguém mais estava por perto então, golpeou a mesa com força.

— Ridículo!!

Era um grito de raiva contra os engenheiros que haviam fugido.

— Estamos falando de apenas vinte por cento das operações! Ela fazia tudo sozinha! Como é que dois não conseguem administrar e ainda por cima fogem?! É absurdo!

O sistema criado por Sato Ai e sua equipe era capaz de manter oitenta por cento da empresa funcionando de forma autônoma algo quase impossível de imaginar. Mas o novo presidente carecia de conhecimento técnico para compreender o feito.

“Só vinte por cento”, pensava. Sem perceber que aqueles vinte por cento eram justamente as partes impossíveis de automatizar, mesmo com uma estrutura tão avançada.

Maldita Sato Ai.

Deixou para trás uma engenhoca indecifrável.

Apesar de tudo, ele ainda tentava se convencer de que agia racionalmente.

Sabia que um executivo não podia se deixar guiar pelas emoções.

Afinal, uma decisão errada podia mover bilhões, influenciar a vida de milhares de funcionários e também o destino do próprio presidente.

Por isso, julgava estar sendo “lógico”.

Uma “cosplayer excêntrica” conseguira administrar aquele sistema sozinha; como, então, dois engenheiros competentes não o fariam? Inconcebível.

Mas a realidade o contrariava.

Os quatro engenheiros que tentara substituir haviam desistido.

Ele não era um administrador incompetente apenas um homem perigosamente ignorante sobre o que é ser engenheiro.

Será mesmo que só Sato Ai pode gerenciar aquilo?

Ele se questionou.

A resposta, racionalmente, era “não”. Mas o mundo real dizia o contrário logo, deveria haver uma razão.

E apenas uma lhe ocorria.

— Então o segredo é… pura habilidade técnica?


O nome dele era Kanzaki Eito.

Um influenciador.

Aos trinta e dois anos, já havia levado uma startup à bolsa e vendido o negócio, usando o capital para expandir-se no exterior. Um caso clássico de sucesso.

Com mais de cem mil seguidores em sua maioria engenheiros, tinha uma influência notável.

Definia-se como engenheiro de IA, e justificava o fato de empreender dizendo: “É que ainda não existe uma empresa que me satisfaça.”

Em qualquer outra boca, essa frase seria arrogante. Na dele, soava inspiradora.
Quem o criticava era taxado de invejoso. Kanzaki era, literalmente, intocável.

Naquele momento, estava de volta ao Japão para supervisionar a joint venture de sua empresa internacional.

Sua rotina começava cedo.

Enquanto lavava o rosto e escovava os dentes, já lia e-mails. Para ele, trabalho e vida eram inseparáveis. Mesmo um médico o proibindo de trabalhar, ele o faria.

Seu ídolo era um empresário que, mesmo após receber um diagnóstico terminal, continuou trabalhando, superou a doença pela força de vontade e hoje liderava um dos maiores grupos do mundo.

Droga, quero chegar logo lá. No topo.

Kanzaki Eito era um tipo peculiar o clássico caso de “gênio e louco separados por uma linha tênue”.

— Hm?

Um e-mail lhe chamou atenção.

— “Orlabi Systems”… soa familiar.

Curioso, postou na rede social:

Alguém conhece o sistema Orlabi?



— Vamos ver se alguém responde. Melhor deixar fixado.

Deixou o celular sobre a pia, entrou no chuveiro.

Mesmo secando o cabelo, voltava a checar as mensagens.

Vestiu uma das camisas idênticas que guardava em cestos eficiência absoluta e foi para a sala, celular sempre à mão.

Enquanto preparava o café da manhã torradas, iogurte e comprimidos de vitaminas, continuava lendo e-mails.

Chamava isso de caça ao tesouro.

A maioria das mensagens era lixo, mas de vez em quando aparecia uma joia escondida e essa possibilidade tornava o processo divertido.

Terminando de comer, abriu a rede social novamente.

Em apenas meia hora, havia oito respostas.
Quatro inúteis.
Três com links úteis.
E uma… absolutamente intrigante.

— Isso é ouro.

Curtiu a resposta e ligou para o número na assinatura do e-mail.

Naquela mesma tarde, ele visitaria a empresa RaWi Corp.

Entre um compromisso e outro, postou:

Indo ver aquele sistema.



Isso é insano. Não entendo nada, mas estou surtando.



Não posso dar detalhes, mas é outro nível. Um novo mundo. Ficaria aqui o dia todo se pudesse (não posso rs).



Desenvolvedores já pediram demissão kkk impossível!



Foi incrível. Agora, hora de trabalhar.





— Então, o que achou do nosso sistema?

— Uma verdadeira obra de arte. É uma pena não poder conversar com o desenvolvedor.

— Concordo plenamente. Reter bons engenheiros é sempre um desafio.

— De fato.

Na internet, Kanzaki podia soar arrogante, mas, pessoalmente, mantinha uma educação impecável.

— Por favor, sente-se.

— Obrigado.

Bem, vamos ver aonde isso vai dar.

Por trás do sorriso, Kanzaki observava atento.

O novo presidente falou com voz calma:

— Ouvi muito sobre você, Kanzaki-san. Um jovem notável, sem dúvida.

— Agradeço, mas…

Ele manteve o sorriso e interrompeu gentilmente:

— Podemos pular as formalidades? Prefiro ir direto ao ponto.

Uma ousadia que, em outras circunstâncias, seria falta de tato.

— O que o senhor realmente quer ao me mostrar o sistema Orlabi?

Apesar do tom, não havia agressividade. Kanzaki tinha o dom de falar o que pensava sem soar ofensivo.

O presidente hesitou por um instante, depois forçou um sorriso.

— Ah, os jovens de hoje… sempre tão diretos.

— Depende da situação. Mas hoje, eu sou o cliente. E, pra mim, só importam duas coisas:
se o trabalho é divertido, e se gera lucro. O resto é detalhe.

— Uma filosofia admirável. Muito racional.

Eles se encararam por alguns segundos uma pausa silenciosa de leitura mútua.

Então o presidente falou:

— Serei direto: se o sistema Orlabi estivesse ao seu alcance, o que faria?

— Seria a melhor das notícias.

Ambos imaginaram, à sua maneira, como aproveitar aquela oportunidade.

— A proposta é simples. Quero que o senhor administre o sistema por um mês.

Interessante.

Kanzaki arqueou as sobrancelhas, curioso.

— Confesso, é humilhante dizer isso, mas… nenhum substituto conseguiu compreender o sistema. É um desperdício deixá-lo parado.

Kanzaki apenas assentia, sorridente.

— Ao que parece, é algo que ultrapassa o nível de um engenheiro comum.

E completou:

— Mas talvez você consiga.

— Entendo!

Ele se levantou de súbito, com brilho nos olhos, como uma criança que acabara de achar um tesouro.

E disse:

— Desculpe, mas procure outro.

— O quê?

— Tenho outro compromisso. Com licença.

— Espere! Ao menos ouça o valor do contrato!

— Boa sorte aí, chefe.

Com um cumprimento displicente, Kanzaki deixou a sala.

O presidente, atônito, permaneceu imóvel.

Logo depois, surgiu o tuíte:

Broxei.



Motivo? Simples.

Em poucos minutos de conversa, o novo presidente havia pisado em todas as suas convicções.

Primeiro, sugerira que ele, um empreendedor independente, se tornasse empregado.

Segundo, pedira a um engenheiro de IA que administrasse um sistema totalmente fora de sua área.

Terceiro, tratara Kanzaki apenas como “um engenheiro talentoso qualquer”.

Em suma: transpareceu que queria qualquer pessoa tecnicamente capaz, sem compreender o valor individual por trás do profissional.


Um erro colossal e um divisor de águas.

Naquele momento, o novo presidente acabava de criar um inimigo poderoso: alguém influente, popular e ultrassensível ao desprezo técnico.

Era um erro que qualquer gestor com um mínimo de compreensão sobre engenheiros teria evitado.

— …Por quê?

Após a saída de Kanzaki, ele murmurou, atônito:

— Onde foi que errei?

Tudo parecera perfeito. Kanzaki era conhecido por sua curiosidade insaciável; mostrar-lhe o sistema antes da proposta parecia uma jogada certeira. E de fato, sua reação fora entusiástica. A negociação deveria ter sido um sucesso.

— Malditos… todos eles…

Tentava manter a calma. Mas, diante de tantos imprevistos, pequenas fissuras surgiam em sua compostura.

— Bah, não importa. Kanzaki era só um plano reserva. Se Sato Ai voltar, o problema acaba.

Pensando bem, Kanzaki era um empresário talvez tenha se ofendido por receber ordens.

Sato Ai era diferente. Uma simples cidadã. Bastaria oferecer dinheiro suficiente, e ela voltaria.

Um pequeno prejuízo, sim, mas tolerável.

Era hora de admitir a derrota e seguir em frente.

— Certo… qual era o próximo compromisso mesmo?

Pegou o celular, consultou a agenda e se levantou.

Aparentemente sereno.

Mas, em seu rosto, havia uma distorção que denunciava a rachadura de um orgulho ferido.

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